segunda-feira, 19 de maio de 2008

O vôo de Jeferson

Brasília - Na casa humilde com paredes sem reboco e chão de cimento vermelho, um menino de 12 anos diz com uma honestidade comovente: "Felicidade pra mim é tudo. E eu sou feliz todo dia".
O menino nasceu com uma rara doença genética que o impossibilita de mover braços e pernas. Nunca andou, nunca conseguiu pentear o próprio cabelo. E, ainda assim, a despeito da deficiência que carrega, acaba de escrever um livro. As 35 páginas de sua obra, que falam da sua própria vida, de suas dificuldades, do preconceito que enfrenta, dos seus encontros, esperança e sonhos, foram escritas com suor, lágrimas de emoção, calos na língua e o lápis firme na boca.
Jeferson Ramos da Cruz é o escritor de uma obra ainda inédita. O nome do livro? Minha vida em rodas me fez capaz de voar e sonhar. Há 6 anos, começou a rabiscar as primeiras linhas. Aos 12, viu-as transformadas num livro. E escreveu coisas assim: "Eu sempre falo para os meus pais que quero andar, correr, pular. Quero poder brincar como uma criança normal. Mas eu sei que não posso cobrar isso deles, até mesmo porque sei que eles não têm culpa. Agora, é só me aperfeiçoar do dom que Deus me deu que é escrever com a boca" Agora, só falta publicá-lo.
E há um motivo especial, a razão que o levou a insistir num sonho, mesmo não tendo certeza de que possa virar realidade. Com o dinheiro da venda do livro, ele espera comprar uma cadeira de rodas motorizada. Assim, poderá ter um pouco mais de independência. Para entender melhor essa história, é preciso contá-la do começo, como devem ser contadas as boas histórias.
Em Barreiras, a jovem mãe, então com 18 anos, à espera do 2º filho, sabia que aquela gravidez não estava como a 1ª. O bebê não mexia. Era por demais comportado. Cleide Figueiredo Ramos, desconfiada, dizia ao marido: "Acho que nosso filho vai nascer com problema". Gilmar Rosa, o marido pedreiro, não compreendeu muito bem. Achava que era apenas pressentimento ruim da mulher. Católicos, rezaram juntos. Chegou a hora do nascimento. De parto normal, num hospital público da cidade, Jeferson veio ao mundo. Era bem miudinho. Um médico logo avisou à mãe: "De fato, seu filho tem problemas. Vai precisar de ajuda pro resto da vida". Com lágrimas nos olhos, ela o ouviu atentamente. E ele prosseguiu: "Esse é o presente que Deus está dando pra vocês. E se Ele deu é porque sabe que darão conta". O homem de jaleco branco ajudou aquela família. Encaminhou o bebê para um tratamento na Rede Sarah, em Brasília. Vinte dias depois do parto, Cleide desembarcou na capital, em busca de cura para o filho. Gilmar ficou em Barreiras, cuidando da filha mais velha.
Aqui, o diagnóstico: Jeferson era portador de artrogripose múltipla - doença congênita caracterizada por várias deformidades rígidas nas articulações. A indicação era de 1 ano de tratamento. E só havia uma maneira de fazer isso: morando em Brasília.
Olhar diferente - Gilmar não contou conversa. Catou o pouco que tinha e partiu para Brasília. Foram morar no Vale do Amanhecer, em Planaltina, numa casa bem humilde. Jeferson começou o tratamento. Tempos depois, um médico do Sarah disse aos pais que não seria conveniente operá-lo. Poderia haver o risco de o menino ficar ainda mais impossibilitado, perder completamente todos os movimentos, mexendo apenas a cabeça. Os pais concordaram. E assim Jeferson seguiu. E tentou, mesmo com todas as dificuldades, ser uma criança normal. Nada foi fácil. Aos 4 anos, foi matriculado no ensino especial, em Planaltina.
Todos os dias, empurrando a cadeira de rodas, a mãe o deixava na escola. Lá, ele conheceu a professora Crislei Maria de Morais, 34 anos - a 1ª pessoa, depois da família, que resolveu lutar por ele. "Quando eu vi o Jeferson pela primeira vez, senti no olho dele uma coisa diferente. Era um olhar de gente que diz: 'Eu quero, quero aprender, descobrir, quero viver'. Eu apostei nele", diz a professora, com a voz embargada e os olhos em lágrimas. Crislei, que dava aula de educação física para meninos e meninas com necessidades especiais, começou a incentivar o aluno. Um dia, ele lhe fez uma pedido: "Tia Cris, você me ensina a escrever?". A professora ficou atônita. Como ele poderia escrever, já que não conseguia pegar o lápis com a mão? Ela mesma encontrou a resposta: "Pensei: 'na vida a gente se adapta com o que tem'. Ele vai aprender a escrever, seja como for". "Eu sempre falo pros meus pais que quero andar, correr, pular. Quero poder brincar como uma criança normal. Mas sei que não posso cobrar isso deles. Agora, é só me aperfeiçoar do dom que Deus me deu que é escrever com a boca". A professora, então, lhe perguntou se ele gostaria de escrever com a boca. Ele disse que sim.
No começo, as primeiras tentativas foram meio difíceis. Não conseguia fixar o lápis. Mas não desistiu. Da escola especial, ele foi matriculado no ensino regular. Começou a ser alfabetizado. A entender as palavras. Crislei não era mais sua professora, mas nem assim o deixou. Ia à casa dele, orientava-o. Um dia, sugeriu-lhe que fizesse um livro, contando a vida, os sonhos, a esperança. Na hora, ele topou. E longos 6 anos se passaram. Jeferson chegou à 6ª série, numa escola do Vale do Amanhecer, onde mora com os pais e 3 irmãos. Boa parte do livro ele escreveu num velho computador que ganhou em2006, graças à generosidade alheia. Com o lápis na boca, apertava a tecla desejada. Mas o computador quebrou, não houve mais conserto. Ele voltou ao caderno. E finalmente colocou o ponto final nas suas 35 páginas cheias de letras de forma. "Danço sentado" - Agora, só falta a edição do livro.
A professora levou os originais, já revisados, a uma editora de Taguatinga. Um artista plástico fez o desenho da capa. E um exemplar foi impresso, como protótipo. Crislei gastou R$ 400 do próprio bolso para ver a obra pronta. Na semana passada, Jeferson recebeu um exemplar. E chorou de emoção. "Eu quero fazer esse livro, vender e, com o dinheiro, comprar minha cadeira de rodas motorizada", diz ele. Todos os dias, por 30 minutos, a mãe o empurra na velha cadeira manual até a escola. "Ir de ônibus é pior. Alguns motoristas não param. E as pessoas se sentem incomodadas quando entramos. Ninguém gosta de ajudar", ela conta, chorando. Depois, enxuga as lágrimas e diz, com orgulho incontido, tocando-lhe as mãos: "Ele não reclama de nada. Está sempre feliz". Ainda emocionada, Cleide continua: "Quando olho pro meu filho, a minha vontade de lutar só aumenta. Ele é meu exemplo. Não tenho o direito de reclamar da vida". Jeferson a escuta. E sorri, meio tímido.
A professora Crislei assiste à cena, sentada num canto da sala humilde. Na parede sem reboco, a foto de Jeferson, na formatura da 4ª série. Orgulho do pai pedreiro e da mãe dona-de-casa. "Se eu tenho um sonho? Tenho sim, quero estudar pra ser juiz e me casar. Também queria conhecer um cinema, nunca fui a um", responde o escritor mirim. Filhos? "Se Deus deixar, quero ter sim". Haverá um próximo livro? "Comecei a escrever a história de Pedro, o campeão. É a história de um menino deficiente que luta contra as dificuldades que enfrenta", ele adianta. Assim é Jeferson, um menino que nasceu com tanta limitação, mas ainda assim, todos os dias, tenta dar a volta por cima. Ele encontrou no impossível, no diferente, a possibilidade de ser feliz.

2 comentários:

Tom disse...

Bons exemplos sugem de toda parte.
Mundo bom. Gente do Bem!
Obrigado pela visita
Abraços,
Tom

Andréa Brelaz disse...

Oi! Tom! :-)

Obrigada pela sua visita! ;-)

Seja muito bem vindo + vezes por aqui :-D

Abraços :-)