quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

"A vida é uma tragédia se a vê de perto, mas uma comédia se olhada de longe", dizia Charles Chaplin. 30 anos depois de sua morte, ainda não há distância suficiente para explicar a dramática trajetória de vida de um dos maiores gênios do humor. "Este é um momento muito emocionante para mim e as palavras parecem fúteis, imprecisas... Só posso dizer obrigado pela honra de ter sido convidado a vir aqui. Você são maravilhosos, gente doce", expressou entre lágrimas Charles Chaplin quando Hollywood lhe rendeu homenagens em 1972, com um Oscar.
Chaplin (Londres, 1889) jamais devolveria ao mundo uma das muitas negativas que recebeu: Hollywood o havia vetado politicamente durante a Caça às Bruxas. Era seu regresso depois de 20 anos de exílio na Europa, e só agradeceu o reconhecimento e o afeto, embora tenha voltado a desprezar a palavra, cuja chegada ao cinema nunca encarou com esportividade. "As palavras são escassas. O maior que se pode dizer com uma palavra é 'elefante'", ironizava, sem recorrer a elas até 1935, em 'Tempos modernos', embora no filme todos falem, menos ele.
O pequeno Charles Spencer Chaplin decidiu ser comediante quando, durante uma doença que o manteve de cama durante semanas, sua mãe representava para ele as cenas que vias nas ruas para o entreter. Procedente de uma família paupérrima, Chaplin teve uma infância digna dos mais desesperançados relatos de Dickens e retratada por ele mesmo de maneira indireta no magistral filme "O garoto" (1921). Portanto, o que fez Chaplin mestre da comédia foi, provavelmente, seu profundo conhecimento do drama, sua emoção vivida em primeira mão que desembocou em uma filmografia ilustrada por crianças, por uma cega em 'Luzes da cidade' (1931) e sempre pelo desamparo de seu imortal vagabundo Carlitos. Em 1912 foi para os Estados Unidos, em 1918 fundou seu próprio estúdio e sua crescente popularidade - foi o primeiro ator a estar na capa da revista 'Time', em 1925 - o fez o maior ícone do cine mudo. Mas seu gênio atormentado e sua complexa personalidade rapidamente encontraram detratores: os britânicos, por o considerarem traidor, e a crítica, sobretudo anos mais tarde, por eclipsar outros fenômenos cômicos da época, como Harold Lloyd ou Buster Keaton. Bertrand Tavernier e Jean Pierre Coursudon escreveram em sua enciclopédia crítica '50 anos de cinema norte-americano' que "o lacrimoso humanismo, o tom sofredor e às vezes masoquista (de Chaplin) se aliaram a um simplismo irritante", ao qual adicionam sua fama de intratável. "Como todos os megalômanos, desprezava tudo o que não havia criado (fotografia, cenografia). No lugar de servir-se destes elementos, os considerava como outros tantos obstáculos que se alçavam entre ele e sua criação", escrevem no livro. Por isso, talvez pareçam menos brilhantes e sem o encanto da cartola, do bigode e dos sapatos largos títulos como 'A quimera do ouro' (1925) e suas obras mais amargas, nas quais captou o cômico crepuscular e a incompreensão pessoal e ideológica à que a opinião pública americana o submeteu. 'Um rei em Nova York' (1957) e 'A condessa de Hong Kong' (1967) foram parte indigna de sua trajetória. Por outro lado, 'Monsieur Verdoux' (1947) - O último Carlitos - e 'Luzes da ribalta' (1952) deram uma volta por cima, ao menos temporária, em sua filmografia, enquanto eram revelados detalhes polêmicos e trágicos do gênio que, ao promover a última delas no Reino Unido, não pôde votar ao Estados Unidos.
Suas inclinações políticas bateram de frente com o Comitê de Atividades Antiamericanas - que via em 'Tempos modernos' e 'O grande ditador' (1940) conteúdos comunistas -, e seus matrimônios, sempre com mulheres notavelmente mais jovens do que ele - com sua 4º e última mulher, Oona O'Neill, se casou com 54 anos quando ela tinha 18 - o fizeram 'persona não grata' para a moral da época.
De fato, a biografia 'Tramp: The Life of Charlie Chaplin', de Joyce Milton, assegurava que Vladimir Nabokov se inspirou nele para criar sua obra prima 'Lolita'. Seja como for, uma vez na Inglaterra, rodou 'Um rei em Nova York' em 1957 e 'A condessa de Hong Kong' em 1967, fracassos de crítica e público. Mas Hollywood corrigiu seus erros nos anos 70 e, além de conceder-lhe um Oscar honorário, em 1973 lhe concedeu um novo prêmio pela música que compôs para 'Luzes da ribalta', que nunca havia sido exibida em Los Angeles até então. Com 88 anos, Chaplin morreu na madrugada de 25 de dezembro de 1977, enquanto dormia, na localidade suíça de Vevey, mas seu corpo ainda sofreu um último revés tragicômico: em 3 de março de 1978 foi roubado do cemitério local e permaneceu desaparecido até 18 de maio. Billy Wilder, que sempre reconheceu a influência de Chaplin em seu humor, escreveria: "Ao criar Chaplin, Deus estava em muito boa forma. Necessitará de outros dois séculos para fazer outro gênio deste calibre".