"Dizem que ele passou em um concurso do Banco do Brasil. Não sei se é verdade. Mas até fizemos uma cota e juntamos dinheiro para ele tirar os documentos. Só sei que, depois disso, ele sumiu e não voltou", afirmou um dos taxistas do Mercado da Madalena. Era 18 de junho.
Há menos de 1 mês, a história de Ubirajara ainda era uma lenda urbana daquelas em que mais gente duvida do que acredita. "Um mendigo pode ser contratado?"; "Como ele fez as provas sem ter documentos?".
As perguntas eram inevitáveis e ninguém parecia capaz de responder com um mínimo de certeza, contar a história dele e muito menos dizer onde era possível encontrá-lo. Mas
Ubirajara existia.
No Google, havia 14 registros para o seu nome completo. Todos em fóruns dedicados à concursos públicos. O nome dele aparecia sempre numa lista com 171 nomes. Era o 163º da tal lista dos aprovados. Sim, era o mendigo Ubirajara.
Mais tarde, ele estava sentado no chão de uma calçada do bairro das Graças. Unhas sujas, roupa gasta, dias sem banho. Ali, atravessou a madrugada contando sua história. 24 horas depois, essa história estava na capa do Diário de Pernambuco. Na reportagem, ele disse que se sentia invisível. Da invisibilidade à superexposição em poucas horas.
Naquele mesmo dia, Ubirajara já apareceu em um programa de televisão local. E assim sua história foi sendo contada e recontada. Ontem à noite, o mesmo Google registrava incríveis 9.260 páginas com o nome "Ubirajara Gomes da Silva". Estava nos maiores portais de notícias; foi destaque nas 2 maiores redes de televisão do Brasil; apareceu em jornais de Rondônia ao Rio Grande do Sul; ganhou comunidade no Orkut; vídeos no Youtube; citações em milhares de blogs.
Saiu da rua, ganhou um quarto na casa de um amigo, roupas, refeições diárias, 10 quilos a mais e um telefone celular que não pára de tocar. Tem sempre alguém, em algum lugar, que acaba de descobrir sua história e quer contá-la mais uma vez.
Hoje termina a saga iniciada pelo Diário de Pernambuco naquela madrugada de junho. A última reportagem. O 1º dia ... A cabeça encostada na parede. O olhar para o alto, meio perdido. O que Ubirajara Gomes da Silva estaria pensando naquele exato instante? Sentado na última fileira de cadeiras azuis de uma das salas de conferência do nono andar do edifício central do Banco do Brasil, no Bairro do Recife, o ex-morador de rua estava exatamente no lugar onde sonhou - e por muito tempo, apenas sonhou - estar. Mas sua cabeça parecia longe dali.
Distante das palavras do discurso de boas vindas que a gerente de gestão de pessoas, Helda Madruga, fazia para recepcionar os 25 aprovados no concurso público para a função de escriturário. Era o 1º dia de cada um dentro do banco. E 24 pares de olhos quase não piscavam - hipnotizados ao datashow que jogava informações sobre o futuro deles em um quadro antes branco. E os olhos de Ubirajara continuavam distraídos, dispersos, inquietos. Para o alto. Para os lados. Para o chão. Afinal, o que estaria passando pela cabeça dele?
"Pensei em toda minha vida. Em tudo o que passei nos 12 anos e nos últimos dias. Foi tudo muito rápido e agora, de repente, já estou aqui", contou.
Todos naquele prédio sabiam quem era Ubirajara e seriam capazes de contar - possivelmente com tom épico - passagens da vida dele. Sabiam que aquele homem de camisa social bem passada, calça jeans e tênis novos, cabelos e unhas bem cortadas, há 20 dias era um mendigo. Dormia encolhido com os braços dentro da blusa em calçadas e bancos de praça da zona norte do Recife. Usava uma mesma roupa a semana inteira. Passava dias sem tomar banho. Sequer tinha escova de dentes. Viveu assim por mais de uma década. Dos 15 aos 27 anos, em noites marcadas pelo medo e por todas as formas de violência; e em manhãs e tardes debruçado em anotações de livros que copiava em bibliotecas públicas. Dizia por aí que, um dia, passaria em um concurso público. Era chamado de louco.
De repente, o então disperso Ubirajara levanta timidamente o dedo indicador da mão direita. Pede a palavra e abre um sorriso. Todos na sala voltam o olhar para ele. "Eu quero ser gerente de pessoa jurídica", afirma com firmeza. Na verdade, era uma resposta para a pergunta feita pelo gerente de suporte operacional que, coincidentemente, também se chama Ubirajara. O gerente Ubirajara lançara no ar uma espécie de desafio para os recém-chegados. "Onde vocês querem chegar aqui no banco?". Apenas um dedo foi levantado - rompendo a timidez coletiva.
E, dessa vez, ninguém o chamou de louco.
Encerrada a apresentação inicial, era hora da simbólica assinatura de contrato e do recebimento do crachá provisório - já que agora, ele começa um período de 90 dias de experiência para só então ser realmente contratado. Todos receberam os documentos em suas cadeiras, exceto Ubirajara. Ele foi chamado para a frente da sala. Levantou meio envergonhado. Acompanhado por 4 câmeras de emissoras de televisão. Seus dias tem sido assim desde que sua história deixou de ser uma espécie de lenda urbana e ganhou a capa do Diário de Pernambuco no dia 20 de junho.
A mídia e a internet transformaram o morador de rua em uma dessas celebridades relâmpago. Para muitos, um exemplo. Um herói popular que conseguiu desviar a lógica natural de uma sociedade. "Agora me chamam até de lindo!", diz Ubirajara. Ironia e o senso-crítico são 2 características que ele não costuma esconder. Assim como não costuma se emocionar. Já com o cordão do crachá no pescoço, ele disse apenas estar um pouco tonto. Foi para o banheiro lavar o rosto e, depois, saiu para tomar um café. Parecia querer despertar. Mas não era sonho. Não mais.
Baseado em fatos reais
Ubirajara já chegou ao banco no carro de uma emissora de televisão. na escada, mais 4 equipes de imprensa o esperavam. Cada passo foi filmado e fotografado. no final, depois de assinar o contrato, ele riu e desabafou: "não é possível que amanhã vai ter repórter aqui. Quero começar a me sentir normal outra vez"
Fonte: Diário de PE (http://www.dpnet.com.br)
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